domingo, 15 de maio de 2011


Ontem assisti a uma reportagem no Jornal Hoje falando sobre o café da manhã saudável. Segundo as recomendações da nutricionista, devemos substituir o presunto por peito de peru, comer uma fatia de queijo branco e uma fruta e citava as propriedades do mamão papaia. Um país com quase 200 milhões de habitantes, com milhões de miseráveis, que mal conseguem se alimentar uma vez por dia e a tal mulher fala do peito de peru e do queijo branco, na rede de televisão de maior audiência, justamente no horário em que todos deveriam estar se alimentando dignamente, como se esses ítens fossem ingredientezinhos costumeiros das cestas básicas nossas de cada dia... No ínicio da semana passada também assisti a uma reportagem que falava sobre centenas de oportunidades de emprego. O repórter dizia que "os postos de trabalho existem, mas falta profissionais a altura". E nós que estavamos com a telinha ligada naquele momento, nos culpávamos por nossa falta de empregabilidade. Num país com sérios problemas na educação básica e na distribuição de renda, onde segundo a Constituição "nascemos iguais em direitos e deveres", porém uns paridos nas filas do SUS e outros em berços cravejados de pedras preciosas, e a culpa por ter que trabalhar cedo, sem direito a sequer um pãozinho com café e de depois comer a merenda da escola e perder o estímulo de olhar para frente, pensando em ser um astronauta da NASA, é do infeliz... É claro que existem histórias de superação. Mas o funil tem um orifício pequenininho, meu caro... E depois, tem a tal história da seleção natural...
Abaixo, um poeminha meu, para ilustrar...


OS MENINOS DA FEIRA

Nas manhãs de sábado,

ao raiar do dia

os meninos do Alto do Cruzeiro

descem a feira para fazer fretes.

E pelo caminho vão marchando

junto com outros iguais

do Alto do Fundão, São Francisco ou São João.

Tantos outros meninos,

a mesma sorte do destino.

Como um pelotão ensaiado

com seus uniformes maltrapilhos

e seus carrinhos de mão

olham pra o chão e cumprem a missão

de ganhar a vida...

Lá vão os meninos da feira!

Passeiam com seus carrinhos

como se guiassem boizinhos, trenzinhos,

brinquedos imaginários

nas mãos calejadas de menino

como a dos lavradores

que aram a terra.

Quer que eu leve? Vai carregar?

Vozes em eco

perdidas no burburinho da feira.

Meninos homens

ou homens meninos?

Desigualdade

Diferença

Desatino.

Carregando para as madames

o banquete dos principezinhos

que esbanjam sorrisos quando a porta se abre

e menino olha menino,

agora, com diferentes destinos.

E ao cair da tarde

lá se vão os meninos de mãos calejadas,

voltar com seus parcos trocados

para o pão de cada dia.

Os meninos da feira,

ansiosos esperam

pela melhor hora do dia,

quando o sono os abraça

e eles correm sem carrinhos.

Não para o caminho da feira

mas para o sonho maior

de um dia brincar,

feito crianças...

(Tâmara Rossene)

P.S. A foto foi tirada por Orlamara, na Ilha Grande, em 2006, quando estava mapeando a cultura de Ibotirama.

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