quarta-feira, 18 de maio de 2011


Do cais aqui de Ibotirama avisto do outro lado, o povoado da Passagem. Lembro que houve uma época em que eu tinha uns três, quatro anos e morávamos em Barreiras. Não tinhamos a ponte permitindo o acesso tão facilitado a um e a outro lado da margem. A travessia era feita através de uma balsa. E a Passagem era um movimento intenso de pessoas que iam e vinham. Um fervilhar que avistávamos do lado de cá! A bordo da balsa o meu coraçãozinho ficava apertado, imaginando os que me esperavam do outro lado: a casa dos meus avós a esquina da rua do Quebra Perna (hoje JJ Seabra); o cheiro de café quentinho e do bolo de nata saíndo do forno; a sombra das árvores no quintal; os intermináveis braços que me receberiam... O rio era um elo que me levava para junto dos que eu amava. Naquela época olhávamos desejosos do cais, as coroas que se formavam quando o rio vazava, nas terras de Seu Vecinho. Às vezes nos aventurávamos em pequenos barcos para explorar o seu território. Lembro-me de certa vez em que estive com uma tia em um desses passeios, escondida dos meus avós. Ah, que delícia estar do outro lado, dentro da água fria do Velho Chico, sem pensar no que aconteceria se fóssemos descobertas. Depois veio a ponte, numa simbologia de integração, enfeitando a paisagem. Mas passamos tão rápidos sobre o rio, que já não imaginamos que ora estamos num, ora noutro lado...A facilidade de atravessá-la apenas aumentou a nossa pressa. Talvez por isso eu olhe o Povoado da Passagem, o rio e o Cais e fique essa sensação de cartões postais esquecidos no tempo...


Abaixo, uma poesia de meu pai...



RIO SÃO FRANCISCO
Rio que passa, manso e tranqüilo,
Como a vida transcorre
Na vila bem próxima.
É parte daqueles que cruzam suas águas
Todos os dias,
Em busca de outras barrancas
Procurando alimentos, cargas,
Lenha para transportar,
De férteis terras, para o plantio;
Rio arrojado
Que vem de outras plagas
Trazendo esperanças,
Trazendo tristezas.
Às vezes, a morte boiando
Sobre as águas barrentas,
Do tempo de cheias.
Rio imprevisível, que arrasta bonança
No húmus fertilizante
E no peixe que fervilha.
Sangue indomável
Do sofrido barranqueiro
Que espera calmamente
Em cada novo ano
Uma vida diferente, que nunca vem...
Rio andante, de esperanças sofridas
Alegria, tristeza, desejo, alimento,
Apego, poema, canto,
Sonho, ternura
Crença, sangue
HISTORIA....
Do barranqueiro
A própria

- VIDA!...
(Orlando Ribeiro de Andrade)



P.S. Foto da Passagem, que me foi cedida por Celo.

Um comentário:

  1. Não disse que é mestre em crônicas? É sempre uma coisa leve e que traz pra gente um rio de memórias o que você escreve. Tenho saudade da Ibotirama que não vivi. Mas ela ainda escorre pelos olhos da minha memória também...

    Eu tardo, mas não falho, senhora autora! ;]

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