quarta-feira, 17 de junho de 2015



Entro no ônibus segurando a garotinha pela mão, bolsa de um lado, sacola do outro, me equilibrando e protegendo-a dos solavancos do veículo. Giro a catraca, com um cuidado extremo, para não apertá-la. Confiro o troco do cobrador e me atiro ao primeiro lugar vazio, sentando a menininha ao meu colo. Chamo-a de princesa, ajeito o vestido azul, com uma pala branca na gola e flores bordadas. Fico admirando-a e arrumando os cachos que havia feito há pouco em seu cabelo, driblando a sua impaciência. Percebo então que a mulher ao lado me olha sem parar. Imagino que seja a presença da criança sentada em meu colo. Falo então para ela: Diga oi para a moça. Ela pronuncia um oi tímido. Eu me encanto com o seu jeito. A tal moça não sorri. Na verdade, uma Senhora aparentando uns 40 anos. A garota que agora me abraça, tem dois anos. Olhos vivos, nariz afilado, boca carnuda e tez morena. A minha filha me olha nos olhos e diz: te amo, mamãe! Transbordo de alegria e digo que a amo também. A mulher agora não tira os olhos de nós duas. Mas não sorri. Avalia. Perscruta dos meus sapatos ao meu  cabelo e depois faz o mesmo com a garota. Fico incomodada, porque ela não sorri, não se dirige a mim, nem esboça qualquer reação que me faça compreendê-la. Por uns dez minutos, no trajeto que o ônibus percorre, dou gargalhadas, sacudindo a pequena agora agarrada ao meu peito. Mas aqueles olhos estão lá e eu já começo a medir os meus gestos, tentando vislumbrar alguma reação em seu rosto. Uma mulher branca, de cabelos lisos e negros, descendo até os ombros, usando um longo vestido verde e uma pequena bolsa que se desprende de um dos seus braços. Me parece uma pessoa normal, como as que encontro no meu trajeto, todos os dias. Desço os olhos  para a minha vestimenta, para saber se há algo de errado em meu corpo, mas não encontro nenhum traço de anormalidade. Faço  então um esforço para me lembrar se a conheço, mas me ocorre que a próxima parada é a minha. Quando me levanto então e seguro a pequena garotinha pelas mãos, ela me fita e pergunta: Ela se parece com o pai, não é? Por um instante, o mistério perde o seu encanto! Em milésimos de segundos, mato a charada, balbuciando em pensamento: a minha cor e a cor da garota, essa era a inquietação e o julgamento da minha algoz. Volto a mulher e pergunto, enquanto o motorista vai reduzindo a velocidade: O que? Ela refaz a pergunta: O pai é moreno, não é? Penso em responder sarcasticamente que é alemão. Me viro para ela e respondo: É negro. Ela se cala e o ônibus silencia. Eu desço os degraus com a mãozinha da minha filha apertada entre a minha. Vou caminhando devagar e sinto aquele olhar me acompanhar, por um bom tempo. Parece que vai depositando sobre meus ombros, todas as palavras que não teve coragem de pronunciar...

sábado, 13 de junho de 2015


12 de junho

Um dia apenas, não comporia nem uma linha de um poema...

Eu rasgaria essa data do calendário
e lançaria fora o gesto perdulário,
do presente que quer falar por si só...
Eu prefiro todo dia, o desatar dos nossos nós. 
A sua pressa e a minha melancolia.
O desenrolar das agonias.
O que cede um tanto de si,
prá colher no outro,
pequenas alegrias...
                      (Tâmara Rossene)

quinta-feira, 4 de junho de 2015

Considero importante um dia, uma semana, um mês, uma data, para reverenciar o rio São Francisco. Até porque independente da água como bem necessário a nossa sobrevivência, há toda uma simbologia em torno do rio para nós, que nos originou enquanto comunidade ribeirinha que somos. O Velho Chico, durante anos foi nossa veia comercial, trafegando vidas e produtos, ampliando nossos domínios, nos constituindo enquanto cidades. Mas enquanto as causas não forem tratadas, as consequências serão apenas discursos vazios. Cinco estados cortados, 521 cidades banhadas, mas as reverências ao Santo Chico devem estar devidamente escritas nas agendas das políticas públicas desses lugares por onde passa... Precisamos sair desse cenário poético que certamente é a sua paisagem, para o cenário da legitimação do que pregamos a cada ano. Do saudosismo do que ele já foi, para a garantia de que ele ainda existirá no futuro.
Minha homenagem ao São Francisco, com uma poesia do meu saudoso pai, Orlando Ribeiro de Andrade...
RIO SÃO FRANCISCO
Rio que passa, manso e tranqüilo,
Como a vida transcorre
Na vila bem próxima.
É parte daqueles que cruzam suas águas
Todos os dias,
Em busca de outras barrancas
Procurando alimentos, cargas,
Lenha para transportar,
De férteis terras, para o plantio;
Rio arrojado
Que vem de outras plagas
Trazendo esperanças,
Trazendo tristezas.
Às vezes, a morte boiando
Sobre as águas barrentas,
Do tempo de cheias.
Rio imprevisível, que arrasta bonança
No húmus fertilizante
E no peixe que fervilha.
Sangue indomável
Do sofrido barranqueiro
Que espera calmamente
Em cada novo ano
Uma vida diferente, que nunca vem...
Rio andante, de esperanças sofridas
Alegria, tristeza, desejo, alimento,
Apego, poema, canto,
Sonho, ternura
Crença, sangue
HISTORIA....
Do barranqueiro
A própria
- VIDA!...