domingo, 15 de setembro de 2019


Sempre que alguém abria o álbum das fotos do nascimento de Mariana, fazia algum comentário sobre essa imagem. Por detrás de todos os floreios, dos bordados e das cores suaves do enxoval, dos desenhos da decoração, das musiquinhas tranquilas e das lembrancinhas de agradecimentos pelas visitas, essa é a minha imagem real da maternidade. A fisionomia exausta pelas horas em claro nas noites de adaptação da minha filha, em sua incursão nesta vida. O cansaço pelo tempo da amamentação, no seio repleto de rachaduras. Sim, eu estava feliz. E os olhos dela, me atingiam profundamente, como a visão mais fantástica desse mundo. Mas eu tentava me adaptar as dores da maternidade e eu precisava de um silêncio que ás vezes eu não tinha. Eram comentários me atingindo de todos os lados: - Não pegue assim; não dê mama dessa forma; não faça isso!; porque você escolheu aquilo? cuidado! ou: nossa, como você emagreceu!; a sua barriga ainda está deste tamanho? por que você fica de camisola? Eram visitas que me atropelavam com perguntas invasivas e impossíveis de serem respondidas. Eram muitas vozes sugerindo, censurando, falando... Mas ao fundo, havia a minha mãe. Ah, se todo mundo soubesse, que nesses momentos precisamos de uma mãe e de silêncio, mais do que tudo! E de solidão para compreender que a maternidade dói. E que isso não está relacionado com falta de amor. Ao contrário, isso tudo é forjado com uma tempestade de sentimentos. Nestes dias, é preciso deixar o descanso fazer morada. Porque há uma mulher cambaleando em seus primeiros passos entre amor, dor, medo e incertezas. Porque ao mesmo tempo em que nasce uma criança, uma mãe está se formando, fora do útero... 

domingo, 8 de setembro de 2019

Lá pelos idos de 2001, recebi um convite da empresa em que eu trabalhava para ser transferida de Salvador, para Belo Horizonte. Em casa, estávamos começando a vida, havíamos acabado de financiar um imóvel e a minha filha vivia a graça dos seus três anos e meio. A promoção traria um gás a minha vida profissional, a grana era razoável e fizemos milhões de planos. A estratégia era: eu vou primeiro, ela fica com você; quando terminar o ano letivo ela vai comigo, depois você vai também (embora ele estivesse empregado) e viveríamos felizes para sempre...
Mas as coisas não funcionaram dessa forma. Em nossas previsões, não contamos com o peso da distância no cotidiano exaustivo das metrópoles, em que cada um de nós vivíamos. Não conhecíamos profundamente os nossos sentimentos, nem imaginávamos como se daria a interferência do mundo a nossa volta. Hoje enxergo que se a promoção tivesse sido destinada a "ele", o "chefe da família" o "homem" da casa, tenho certeza que o curso da história seria outro. Entre as dores e as agonias de estarmos longe um do outro, havia o ego masculino nos rondando e dedos em riste apontando para mim. Eu ouvia cochichos de vizinhas de quem eu mal ouvia um bom dia, dizendo que não abandonariam nem a filha, nem o marido, por causa de um emprego. Eu ouvia pessoas próximas, que sabiam o porquê das nossas decisões, com questionamentos similares. Eu ouvia a distância, de homens e mulheres, opiniões que me apontavam como uma mãe e uma esposa questionáveis. Mas eu sei, que se o meu companheiro tivesse sido promovido, seria um homem competente, se atirando a uma oportunidade. Essa pressão me levou de volta e trouxe consequências e lições para nós dois. Isso me trouxe a necessidade de buscar impulsionar mulheres que eu encontro pelo caminho e que precisam partir ou ficar, em vôos que o mundo reconhece como pertencentes ao mundo masculino. Me fez rever as minhas próprias lutas e estabelecer os preços que não quero pagar e as escolhas das quais não devo abrir mão. E me faz questionar aqui e ali, essa sororidade, de que tanto se tem falado, mas que é ausente no peito de tantas mulheres, quando se aproximam das fragilidades de outras...


P.S. Na foto, uma recordação de Ouro Preto, agarrada a Mariana, quando Belo Horizonte era a nossa morada.