quarta-feira, 30 de outubro de 2019


Eu me sentia velha aos vinte e cinco anos. E à partir daí, eu passei a acreditar que para muita coisa não haveria mais tempo, ou não era mais o tempo... Talvez tenha sido, porque eu fui acontecendo muito cedo... A formatura, o casamento, a filha, o emprego. Depois, as desilusões, as golpeadas, as estradas. Tropeçar me fez querer levantar e reconstruir. Então eu tive que modificar essa minha concepção do tempo e reinventar essa lógica, que me fez acreditar que aos trinta já não dava mais para construir muito. Só então consegui compreender que eu era parte de uma sistemática. Eu fui moldada para ser um pedaço desse universo do descartável. Estar fora desse tempo era não existir. Então eu decidi sair desse cronômetro. Por onde eu sigo, enquanto o tempo não finda, eu existo...

domingo, 20 de outubro de 2019

Da infância a vida adulta, eu atravessei os anos ouvindo os dedos do meu avô martelando as teclas da máquina de escrever. Me lembro de uma cena, em que a minha bisavó, ao final da vida, lá pelas dez horas da noite, gritava do quarto ao lado do escritório: Minervino, para de trabalhar, que trabalho só acaba a gente! Depois tudo acaba... Agora eu vejo a máquina assim,silenciosa, sobre uma peça da sala, sem papel, sem fita, sem o barulho das teclas produzindo petições, histórias, conflitos, gente reclamando pedaços de terra, casais negando a vida em comum, filhos apontando direitos... 
Eu a vejo assim, vazia, ao mesmo tempo em que observo o meu avô dormindo tranquilamente, numa manhã de domingo, quase sem nenhum barulho. E me ocorre que um dia ele também será esse silêncio. Numa tentativa desesperada de trazê-la a vida, eu lanço os meus dedos sobre as teclas. 
Em vão...