sábado, 23 de abril de 2016


Há muito, muito tempo longe das novelas, longe das grandes redes de TV, longe da poderosa emissora. Não sei ao certo se há dez ou há quinze dias, passei em frente a caixa mágica e me detive. A novela Velho Chico, de que tanto tem me perguntado, exibia uma cena de samba de roda. Sentei na cama para observar. Aqui, por minhas terras ribeirinhas, o toque da caixa, o passo da chula, as vozes de homens e mulheres em coro, são inconfundíveis! Pensei nesta Ibotirama que me pariu. E pensei também em Bom Jesus da Lapa, Paratinga, Morpará, Muquém do São Francisco, Alto, Médio, Baixo São Francisco, no rio descendo e subindo. O samba mostrado na tal novela, não era nosso, era do recôncavo! Passamos anos assistindo ao propagar de que a cultura da Bahia somente era representada pela região da Capital do estado e do Recôncavo. Sofremos anos, com os recursos que não chegavam até aqui: a cultura invisível destas bandas ribeirinhas! O recôncavo também é nosso! compõe o traço da diversidade do nosso estado. Mas a grande rede televisiva, propõe um recorte para mostrar o Velho Chico e propaga os mesmos valores hegemônicos que tanto nos invisibilizaram. E continuaremos assim, alheios, a margem, se não gritarmos que esse Velho Chico, não somos nós!

sábado, 9 de abril de 2016

Nas estradas do Pós crítica...

A mulher lança o menino de uns dois anos, no banco duro ao meu lado. E vai gritando para ele dormir logo. Do outro lado do banco, um homem de cerca de trinta anos, com uma mochila enorme e um expositor de brincos, me dizendo que foi assaltado e pedindo dinheiro para um café. Após uma primeira negativa, ele começa a desenrolar uma história interminável. Não me convence, mas lhe estendo dois reais, desejando o silêncio. Ele apanha o dinheiro, sorrindo e agradecendo e continua fazendo o seu relato. Do outro lado do lugar onde me encontro, uma Senhora se arrasta, com um lenço florido na cabeça e um caroço enorme na lateral do rosto. Afasto o olhar. Calor e cansaço. Olho o relógio e ainda restam duas horas para aguardar o ônibus. A criança continua sem dormir e a mulher continua a falar para ela, que é melhor fechar os olhos. Depois para e diz que o garoto precisará de carinho, porque foi afastado do irmão. E repete para si mesma: burrice e escolha mal feita. Uma mulher chora ao telefone, encostada a um canto. A minha volta, sacolas e mochilas se arrastando junto aos corpos. O homem agora me pede para olhar a mochila e antes que eu responda, sai dizendo que vai tomar o tal café. Uma moça me oferece livretos de cordel e antes que eu entenda o que está dizendo, estende-os a pessoa ao meu lado. Barulho de gente conversando alto. Som de murmúrios. Me sinto numa trincheira de guerra. Ou, entre almas que vagam, desejando libertação. E a caldeira me consumindo. Movida por um impulso, praticamente corro até o banheiro da rodoviária e pago por um banho. Um alívio imenso percorre a minha alma. Em frente ao espelho fico me perguntando quando todas aquelas marcas se fixaram ao meu rosto. Recuso o meu semblante pálido de duas noites mal dormidas, de aparência exausta e da corrosão do tempo. Vou ajeitando o cabelo de lado e me lembrando da feição da adolescência, do rosto dos anos de faculdade. Uma luz se acende. Sacudo a mochila procurando o objeto perdido no tempo. Seguro firme e trago a frente do espelho. Contorno os meus lábios e vou trazendo-os a vida. Saio do banheiro, olhando para o meu reflexo nos vidros que eu encontro. Olho para o banco onde há pouco estivera sentada e distribuo sorrisos para o menino que agora quase cochila, para a mulher que o tem ao lado e para o homem do café. A mulher ao telefone também me olha. Eles me sorriem de volta e eu aceno a mão confiante e sigo o meu caminho. O batom vermelho me salvou! 
Eu sinto vontade de dar banho
em todos os menininhos maltrapilhos que encontro.
De depois colocar em suas mãos um prato de comida e de lhes contar histórias de aventura.
E tenho vontade de falar as moças com as quais me deparo com olheiras enormes
em volta dos olhos
sobre a brevidade que vai nos consumindo.
Tantas moças que vejo sofrendo a minha volta!
E eu sinto vontade de fazer sorrir umas senhoras apressadas e agoniadas por resolver tudo
como se não houvesse mais tempo.
Eu sinto vontade de matar a fome que aflige o corpo
e de acabar com a angústia
que corrói a alma.
E de depois ficar assim
entre os meninos, as moças e as senhoras
fartos e felizes
como se o mundo fosse outro...

                                              (Tâmara Rossene)