domingo, 28 de agosto de 2011


No primeiro Festival de Poesia de Ibotirama, eu era uma criança ainda. Declamei a poesia abaixo, chamada Identificação, de autoria de meu pai. Fui escolhida melhor intérprete de aceitação popular e a poesia, para nós, "injustamente", ficou com o sétimo lugar (até hoje, as premiações trazem controvérsias). Me lembro que fiquei encantada com os aplausos...Ganhei uma medalha e um livro que guardo até hoje. Acima, prá fazer par com a poesia, já que somos parte da história do poeta que a escreveu, uma foto da primeira comunhão de minha irmã Orlamara. Ricardo, Orla e eu, na igreja das Dorotéias, em Salvador.

Identificação

Sou braços abertos

Estendidos longamente

Buscando abraçar

Corpos esguios

Tentativa nobre

De apoio aos fracos

Vã esperança

De espalhar a paz.

Sou campo aberto

De amor poético

Pureza frágil

Luz esmaecida

Malhas coloridas

De prisão tão doce

Transformada amargura

Ao gosto de pecado

Sou beija-flor

Na busca incessante

Do néctar precioso

Da provocante flor...

Que macula a rosa

Sem prazer pagão

Mas, para acender a chama

De crença ao amor!...

Sou chama acessa

Luz de pirilampo

Misteriosa, sem explicação

Dúvida pálida

Ao correr do tempo

Colorido falso da ilusão

Sou simples, puro

Meiga bondade

Tristeza da solidão

Viajante sem destino

Fuga da decepção

Sou verdade e mentira

Miragem, realidade

Virtude, perdição

Passadas largas em caminhos estreito

Ternura, carinho, força

Leveza de sedução

Sou loucura e sensatez

Ventura, fatalidade

Luxuria, pudor, castidade

Traços de dor, alegria

Coragem, medo, ousadia

Sussurro de doces segredos...

Sou natureza palpitante

Selvagem fogoso sangue

Sou arvore frutificante

Melodia, perfume, canção

Poema, vinho, sorriso

Bonança e tempestade,

Sou luz e realidade!

(Orlando Ribeiro de Andrade)

sábado, 27 de agosto de 2011



Outro dia uma moça de São Paulo que estava por essas bandas, me confessou que havia tirado várias fotos do céu. Como a olhei interrogativamente, ela me revelou que nos seus 22 anos, nunca havia saído de São Paulo. Só conhecia um céu tão azul e com nuvens tão brancas, de fotos e imagens da tv e do cinema. Hoje me lembrei dessa história e de que o nosso céu é quase sempre assim... Mas só conseguimos falar do sol escaldante de cada dia. Há tanto por aqui que não há em outros lugares... Mas só a distância e a falta trazem a tona... É claro que nem tudo está perfeito. Mas a reclamação é sempre mais constante do que o reconhecimento. Outro dia estava observando o rio e me lembrei de uma época em que faltava água e corríamos para ele com latas e baldes. Parece que éramos tão mais felizes naquele tempo... Mas o tempo também é distância e consequentemente trás a sensação de falta. Nem sei porque comecei a postar isso. Se por saudosimo ou se por medo de ceder ao clamor das reclamações e perder o espírito contemplativo que sempre me acompanhou. Acho que reclamação em excesso, sem deixar de olhar o próprio umbigo e sem sair do lugar, endurece e por vezes, começa a virar mais maldade do que desejo de que a realidade mude! Indignar-se é absolutamente necessário, mas atitude e bom senso também. E depois, se somos incapazes de enxergar que o pano de fundo desse sol abrasador é um céu magnificamente azul, será que somos capazes de enxergar a exatidão dos fatos?

P.S. Acima, uma foto de meninas na beira do Velho Chico. Apesar do trabalho que exercem, me parecem com expressões felizes...Foto do mapeamento de cultura, por Orlamara Andrade

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Sem perceber vamos repetindo velhos modelos, como se fossem novos... Noutro dia me perguntaram se Taylor e Fayol ainda tinham espaço nesse nosso mundinho tecnológico. Tanto conhecimento em voga na era da informação, tanto disseminar e propagar idéias, mas eles estão mais arraigados do que nunca, impregnados na lógica do sistema que nos domina. Penso que a sistemática proposta nos primórdios da Administração Científica, evoluiu sim. Se antes aplicava-se apenas a produção de bens em escala, agora aplica-se também a manipulação das idéias. São músicas, livros e idéias produzidas em séries e degustadas de igual forma, também maquinalmente. Uma coisa é certa, a mais valia coloca Marx no topo dos pensadores inquestionáveis, depois de anos como indesejável. Tem horas que a verdade não pode ser oculta e vira aliada até mesmo nas estratagemas dos que querem negar que ela exista. Será ele, o capital, sempre o responsável pelas guinadas de 360 graus? Gira, gira, gira e cá estamos no mesmo lugar de sempre. O progresso científico sobreveio, é verdade. A produção e a riqueza nacional aumentaram juntamente com as necessidades e os desejos. Fome do básico e do que enche os olhos. Desejo de pertencimento ao mercado dos mais seletos. No passado, era vontade de ouro e prata. No presente, carro, celular, gracejos tecnológicos. Demanda por um poder que chega na capacidade de suprir a vontade ávida do consumir. Será que encheria os nossos olhos mudar a lógica do sistema, socializando os meios de produção e dividindo a riqueza por igual? Claro que não...mesmo com a desproporcionalidade da repartição do bolo, quem tem ao menos uma pequena fatia, não ia querer correr o risco de estar em pé de igualdade com os que comem das migalhas que caem da sua mesa, queriam mesmo era a cereja do bolo... Mas são afetos de pequeninas caridades. Abrem a bolsa para conceder moedinhas as mãos que se estendem, ligam para o criança esperança e comentam as injustiças e mazelas sociais, como se assim pudessem ajudar a mudar o mundo! E ainda acreditam que a violência, a marginalidade e o caos social é sempre culpa de terceiros. Desculpem, mas ando meio incrédula de que ainda tenhamos salvação...

Abaixo, um poeminha escrito depois de passar algumas horas no Rio Vermelho, um bairro boêmio de Salvador, apreciando a movimentação a minha volta...Espero que gostem! Saudades de postar aqui com mais frequência, mas enquanto o tempo é escasso, vou me virando enquanto posso...


AMBULANTES

Bebo e rio.

Ouço vozes ao meu redor.

Tilintar de copos.

Rostos.

A música.

A noite.

O brilho da madrugada.

Entre as mesas circulam

vendedores de rosas

cartões

amendoim.

Olha o queijo coalho!

Eles estão em toda parte!

Meninos descalços

que perderam a hora do sono e da infância.

Senhoras

que esqueceram o tempo de descansar!

Que me importa!

Brindo a noite.

Trôpega

abraço o meu amor.

E nem sequer um aplauso

para os ambulantes

que sustentam as cortinas!

(Tâmara Rossene)


domingo, 14 de agosto de 2011

De volta a terra...


Muito cedo rompi cordões.

Velas distantes do Velho Chico me jogaram às tormentas.

Desaprendi a amar pessoas e vilarejos que deixei prá trás.

Incompleta voltei!

Estava em meu caminho refazer laços desfeitos.

Ah, meu umbigo deitado debaixo do limoeiro, voltei!

Ah, minha Anália, quanto tempo perdi!

Meu labirinto de recordações.

Já não reconheço as feições que ora se mostram a luz de candeeiros.

Tardes de calor intenso queimando em pedaços que agora querem juntar-se.

Ah, Babilônia que me atormentava dias e noites.

Ponte que se quebra dentro de mim.

Ó mãe que me atou por um fio quando me perdi pelo mundo e onde quer que eu fosse mantinha a minha cabeça sempre voltada prá trás.

Ai, como órfã estive, longe do meu lugar!

Eu posso me atirar pelo mundo em qualquer direção.

Eu posso buscar outros destinos.

Outras terras.

Algo sempre me trará de volta.

Entre caminhos e descaminhos.

É impossível fugir a bússola que aponta continuamente nessa mesma direção....

(Tâmara Rossene)

P.S. Na foto, enchente de 1992. Aí nesse lugar onde estou sentada, hoje é o Palco da Praça de Eventos.

domingo, 7 de agosto de 2011

O show de calouros ontem na Praça de Eventos, me deu a impressão de que voltamos a crescer os nossos olhos para a cultura! Minhas reverências aos participantes, que escolheram um repertório inquestionável. Do primeiro ao quinto lugar, Nilton César, com Sangrando, de Gonzaguinha; Luana, com Sonho de um Palhaço, de Antonio Marcos; Adriano Casa Nova, com Papel Machê; Paulo Henrique, com Alma Nua, de Vander Lee e o quinto lugar, com Vapor Barato. A Praça, ah....voltou a ter platéia. Deus ouviu as nossas preces! e o Velho Chico, ali, bem ao lado do palco, foi testemunha de que a revitalização da cultura é um sonho possível!
Nosso cachorro de 09 anos partiu hoje... Quando chegou, Mariana tinha pouco mais de 05 anos. Durante todo esse tempo, foi um membro querido de nossa família. Inquieto, irritante e hiperativo como se tivesse o nosso sangue... Ás vezes me tirava do sério, mas quando baixava as orelhonas e os olhos depois de levar uma bronca, era um convite a fazer carinho... Se existir um céu dos bichos, acho que vai para lá... Abaixo, um poeminha que havia feito prá ele há algum tempo e acima, uma foto nossa, quando eu estava grávida de João Marcelo...

Uma relação controversa.
Não o mimo
ele não pula em festa quando chego
mas há dias em que apenas nos olhamos
e uma relação de amor se estabelece entre nós...

sexta-feira, 5 de agosto de 2011


Infelizmente não pude ir ao lançamento do filme-documentário "Do Buriti a Pintada", em Brotas de Macaúbas. Mas hoje praticamente atropelei um compromisso, prá dirigir-me ansiosa para praça de Eventos, ávida por assisti-lo. Meu Deus, são tantos os que estão em grandes centros, próximos as fontes de captação
de recursos, dos recursos propriamente ditos; os que bebem da fonte da informação; os que tem acesso fácil a educação e cultura. Quantos desses se comprometem em nos livrar da amnésia que nos acomete quando se trata do nosso passado historico? Quantos dividem o conhecimento acumulado? Reizinho bebeu da fonte da história... Mas foi menino nascido e criado nesse sertão. Cruzou os limites que lhe margeavam. E enveredou-se no labirinto negro da ditadura, tomando como fio de Ariadne o desejo incontido e incontrolável de desvendar...O filme emociona pelos personagens de carne e osso que relatam os fatos vividos. Pelos paralelos traçados. Pelo resgate de fatos do cenário nacional que vieram bater as nossas portas. A trilha sonora é um capítulo a parte, principalmente nas vozes genuinamente ribeirinhas... Percebe-se na concepção da obra, que é quase impossível dissociar o historiador Renaildo, do artista Reizinho. Ambos parecem ter caminhado lado a lado, para que o documentário tivesse valor histórico, mas também uma dose de poesia e de musicalidade... Os agradecimentos com tantos nomes envolvidos, mostram a magnitude da obra. Foi impossível segurar as lágrimas quando vi estampado um agradecimento para meu pai, Orlando Ribeiro de Andrade, justamente no momento em que senti a falta dele na platéia. E para findar esse post, aproveito para falar que a Praça estava lotada e concentrada. Parece que "o artista chegou aonde o povo está".
Abaixo, poema de Reizinho...

O rei e o poeta
O poeta disse que o rei era ladrão
e mandaram calar o poeta
o poeta disse que o rei era autoritário
e mandaram prender o poeta
o poeta disse que o rei era ditador
e mandaram torturar o poeta
o poeta preso e torturado bradou
o rei é assassino!
e mandaram matar o poeta
o poeta então encantou-se!
virou estrela
nas noites a torturar o rei...
(Renaildo Pereira - Reizinho)

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Logo ali, no nosso vizinho Muquém do São Francisco, está a Vila da Piragiba. Embora poucos saibam, o seu território abriga um sítio arqueológico. Urnas funerárias foram encontradas, pertencentes a tradição Aratu. Consistem em potes de barro, nos quais eram enterrados corpos e pertences de indígenas. Datam de cerca de 200 a 400 anos. Me impressiona o nosso desconhecimento do espaço que nos circuda. Certa feita me contaram que a população da Vila da Piragiba ao ter a energia elétrica autorizada para ser instalada na comunidade, teve sérios impasses com os pesquisadores. Estes acreditavam que para que o poder público pudesse entrar na localidade, precisaria investir nas pesquisas arqueológicas e tentaram barrar a chegada da energia, até que barganhassem ajuda para a continuidade dos trabalhos. A população que desejava sair do escuro, se posicionou de forma contrária a Instituição que levava as pesquisas adiante, heroicamente, diga-se de passagem, como tantas outras que resistem nesse país. Não sei se a história é verídica, mas de certa forma, acredito nela. Energia elétrica hoje é ítem de primeira necessidade. E nossa memória há muito vem sofrendo de amnésia. Também não podemos culpar as pessoas pela ignorância. A meu ver, a instituição que levava o projeto do sítio arqueológico adiante, pecou imensamente. Não compartilhou as informações com os donos do território. Não utilizaram o poder da informação a seu favor. Estiveram talvez alheios a esse processo, por subestimarem os que para eles não se tratavam de objetos de pesquisa. Um trabalho árduo dos profissionais envolvidos, desvendar a história, a partir das provas encontradas. Mas aqui na região, poucos sabem desses achados e do seu significado. Conhecimento que não se reparte portanto. Nossos alunos ainda continuam utilizando livros didáticos que mostram outras realidades distantes da nossa... O menino, próximo a Vila da Piragiba, abre o livro e vê a figura de um prédio de 20 andares. Sente vontade de conhecê-lo , mas talvez despreze a paisagem a sua volta. Enquanto doutores pesquisadores escreverão sobre os achados da sua Vila, ele só vislumbrará a estrada, com o ônibus que sempre no mesmo horário, parte para São Paulo...
Sobre o sítio arqueologico da Piragiba podem acessar o link http://www.ffch.ufba.br/spip.php?article525 para maiores informações.