domingo, 30 de março de 2014


Enquanto cuida das minhas unhas, a moça vai me contando sua saga...De como a sua família chegou até aqui, trazida pela idéia de um novo Eldorado em Barreiras; do nascimento dos seus filhos e do risco corrido nas gestações. Eu, que fujo do burburinhos dos secadores, tinturas e comentários frívolos, me sinto melhor em estar ali no calor do seu lar, sem ter que opinar nas tendências da última moda. Aos poucos, vou me envolvendo com seu enredo. Em poucos minutos, fico sabendo que o que a motiva a continuar aqui é a distância entre o tempo da capital e o da pequena cidade, que correm de forma diferente. Me conta que prefere levar a sua vida de pouco luxo, mas de presença constante ao lado das três crianças e conclui para si mesma, que essa foi a melhor escolha, quando teve que decidir. Ao final do trabalho, vejo que está feliz. Acostumada ao converseiro das clientes, encontrou os meus ouvidos abertos para escutar a sua história. Saí de lá convencida de que preciso prestar mais atenção nessa infinidade de historias que estão prontas para serem contadas a minha volta e me lembrei de um poema antigo, que reproduzo aqui, mais uma vez....

SONHOS
O que sonha aquela moça de passos ligeiros
entoando hinos de igreja
como quem festeja?
eu aqui a olhar esse vilarejo
sonhando em viagens pelo mundo
no grau de doutor
e no preço do meu segundo!
olhando aquela velha na porta
o menino pulando corda
essa vida simples do interior.
A moça diz que sonha
com uma escada de filhos
um marido, muito íntegro
olhando as flores do quintal.
Quanta pretensão a minha
julgar maiores os meus planos
egoístas e mundanos
sem essa essência de quem sonha
apenas prá amar e ser feliz!
(Tâmara Rossene)


quinta-feira, 27 de março de 2014

Há uns dois anos, quando João Marcelo estava no auge da intolerância a lactose, que nos assombrava, cheguei em casa mais cedo, num dia complicado e cheio de preocupações. Naquela época, a lata de leite que ele tomava, custava pouco mais de cem reais, dez vezes mais do que o leite normal custaria. De repente para um carro em minha porta e uma mulher loira me chama. Seu rosto me é familiar, mas pouco sei a seu respeito. Depois de me esclarecer a sua identidade, passa a perguntar sobre a intolerância do meu João e a relatar que o seu filho teria o mesmo problema. Eu não sabia qual o seu propósito em ter ido até ali, mas de repente ela começa a falar do meu pai e a dizer que há poucos dias soube ser eu a sua filha e da  intolerância de João... E de repente me diz do respeito que tinha pelo sábio Orlando e me fala das latas de leite que recebia, acho que de uma amiga, que morava em outro estado. E que tem latas a mais em casa. E de repente me doa 10 latas de leite. O valor daquilo tudo foi inestimável! Muito maior do que o que o financeiro representava! Só quem tem um filho com a saúde abalada, sabe do que estou falando. Hoje João se curou do problema, mas fiquei aqui pensando na atitude dessa pessoa e no quanto me senti afagada num dia de agonia. E no quanto senti a presença do meu pai ao meu lado, naquele momento. E fiquei pensando que essa coisa de fazer o bem transcende barreiras. Apesar da sua ausência física, a ação dessa moça, foi reflexo das sementes lançadas por ele...
Vendo muitas pessoas comprando porque todo mundo compra, assistindo porque todo mundo assiste, reproduzindo o que está na boca, na cabeça, no corpo, do todo... é como se fossem máquinas programadas! Estou eu cá a observar, como em alguns filmes, como se eu estivesse em outra dimensão. Não sei se é vantagem estar nessa posição. Talvez, se estivesse indo na direção deles, me sentiria menos solitária. Ou, quem sabe, talvez não sentiria nenhuma dor...
                                                                                                                    (Tâmara Rossene)

domingo, 23 de março de 2014



O ano era 1979. O rio estava subindo muito e meu avô Minervino, passando uns dias conosco em Salvador, contava que as ilhas já estavam cobertas, quando na televisão, começam a noticiar que as águas, em Ibotirama, invadiram as casas da cidade. O meu avô, desesperado, volta imaginando como encontraria a minha avó Anália. Ali, na esquina da rua JJ Seabra, onde hoje ele tem um escritório, a sua Anália não estava mais, porque o rio São Francisco já tinha reclamado o seu espaço. Então, seu Miné saiu de porta em porta, perguntando por ela. Encontrou-a na casa de conhecidos, saíra as pressas, com a água na canela e o desejo que ele retornasse logo. Naquele tempo, eu era uma meninota e brincava dizendo que Ibotirama era uma ilha. E era... ficávamos ilhados, sem telefone, sem celular, sem internet, sem notícias velozes correndo trecho. E o melhor de tudo é que éramos felizes! Depois tudo isso chegou até nós e mesmo com os benefícios da era tecnológica, não ficamos mais felizes do que antes. Muitas vezes acho que continuamos agindo como se fôssemos uma ilha, tendo visões em círculos, olhando prá um mundo pequenininho, não ousando expandir os nossos limites, como se os obstáculos ainda fossem os mesmos daquele tempo...

(Na foto, a enchente...)

sexta-feira, 21 de março de 2014



Minh' alma sempre em festa
incomoda os incrédulos
repele os pessimistas
afasta os que carregam
eterno pesar.
Sou para muitos deles
poço de fingimento
apenas porque não lhes chegam
os "ais" dos meus lamentos.
E embora não me faltem
os tormentos e as agonias
não se afeiçoam de mim
aqueles que são avessos
a fluidez e alegria...

                   (Tâmara Rossene)