domingo, 30 de outubro de 2011


Certa vez uma tia materna estava morando em São Paulo. Eu tinha por volta de quatro, cinco anos. Menina da beira do Velho Chico, sonhava ganhar uma daquelas bonecas que tinham quase o nosso tamanho. Ingenuamente mandava recados a Papai Noel, mas parece que ele sempre tinha outro planos prá mim. Voltando a tia de São Paulo, ela era aquela época, a minha esperança. Soubemos que ela chegaria no Natal e que viria com muitos embrulhos coloridos, para mostrar a família que prosperara. Não sei como começaram a me encher de sonhos e expectativas. Mas a tal boneca parecia cada dia mais próxima, da data que ela anunciara chegar, através de carta. Quando a vi, expressei uma saudade maior do que sentira, sentindo o coração bater forte, ao imaginar receber o presente que ocupava minhas noites e dias, em devaneios. Quando chegou o momento da entrega da "lembranças", como ela mesma intitulara, recebi um embrulho imenso... Olhei de soslaio para outra tia de pouca idade como eu e para minha irmã, vitoriosa. Esperei que ela abrissem os embrulhos primeiros, um jogo de mantimentos num, um jogo de pratinhos noutro. Pensei que eu sairia daquela sala com o melhor presente. Começo a desenrolar calmamente o embrulho sem tamanho, perfeito para abrigar meu objeto de desejo. Não acredito no que vejo: um jogo de panelinhas e um de pratinhos coloridos. Olho decepcionada e digo um obrigada quase inaudível. Mas contei essa história para dizer que durante o tempo em que venho existindo, já ganhei muitas vezes panelinhas e pratinhos, em detrimento de sonhos maiores, se é que me entendem. E todas as vezes que crio maiores expectativas, revivo o trauma infantil e fico esperando o pacote se desenrolar... Portanto, como comecei escrevendo pensando em meus coleguinhas de labuta, não fiquem com esses olhos de quem já imagina as pequeninas panelas se mostrarem sob o papel celofane...rsrs... afinal, há sempre um ganho e sempre se pode fazer bom uso do que se ganha...rsrs...e bom que temos uns aos outros para amargar a decepção do presente...

P.S. À vocês, Irlan e Márcia, pelo convívio de todos os dias... Aproveitei e postei uma foto minha (antiga) com meu irmão caçula, porque dentre nós sempre foi o mais sortudo com os presentes...

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Tanto tempo longe daqui...a correria é sempre a culpada, como se na verdade não fosse eu mesma a me deixar aprisionar... Tanto pensei em escrever nesse espaço de tempo. A cada dia, uma nova desculpa, até que as idéias acabam perdendo a cor e a vivacidade e um novo dia aparece, com suas repetições. Nesse tempo, o prenúncio de chuva me trouxe um sabor de novo. Afinal, as folhas voltaram a nascer nos galhos tortos e secos desse sertão. Minhas crias reclamaram atenção. Estive em Salvador e descobri que estamos cada vez mais distantes. Cada vez mais incompatíveis. Aliás, muitas coisas a minha volta tem se mostrado incompatíveis. E aos poucos, ando arejando os meus passos... Num dia desses, escrevi num pedaço de papel (tanto tempo sem utilizar o papel), esse texto que reproduzo abaixo. Espero inaugurar com ele, uma frequência mais constante a esse espaço...

Cá estou eu de novo, fincando um pé no presente e outro no passado, sempre indo e vindo, nesses alinhavos que me acometem os dias... Lembrei-me agora que andava apenas de calcinha até os 07, 08 anos, no meio da rua, quando morávamos na Federação, em Salvador. Algumas meninas da minha idade, zombavam das minhas "vestes". Mas era tão natural e eu me sentia tão segura apenas com a companhia dos desenhinhos infantis e dos babadinhos que me enfeitavam a cintura prá baixo, que pouco me importava com os comentários de minhas companheiras, abotoadas e acinturadas. Hoje se vejo uma menina com a mesma idade utilizando os mesmos trajes que me acompanhavam aquela época, já me preocupo com o que a ronda. Um novo mundo tão liberado esse que conquistamos, que coloca em risco e profana até o sagrado... Quanto sangue derramamos por um novo mundo, mas a maioria dos que aqui estão, nunca entenderão porque lutaram os que se foram... Penso nisso em instantes, tudo porque uma menininha passa saltitante em frente ao carro apenas de calcinha amarela. Lembro-me então dessa liberdade experimentada por mim. Vou divagando até me dar conta de que acabo de chegar ao Pólo da Universidade Aberta, em Ibotiraminha. Me deparo com o corredor e algumas salas repletas. Alunos discutindo trabalhos, dialogando, refletindo... É claro que queríamos a proximidade do mundo acadêmico, o calor do que se faz presente através do físico. Mas não há como negar o que existe. Nem há também como nos acomodar com o que há. Achei linda essa visão de pessoas de várias idades, ainda que por vias virtuais, estarem ali naquele momento, correndo pelo conhecimento, nessa Ibotirama que as vezes, me trás tantas interrogações... Alguém fala de Chauí ao meu lado, um outro resolve uma sentença matemática, outros tecem comentários que versam sobre ética, até que alguém me chama pelo nome. A menininha volta a correr dentro de mim, em trajes pormenores. Será um indício de que posso voltar a ter esperança no novo mundo? Ou será que a chuva, miragem de todos os dias neste deserto por onde ando, anda amolecendo esse meu ser tão árido? de toda sorte, um pouco de água a quem tem sede, trás sempre uma sensação de saciedade imediata e um desejo por mais...
Abaixo, uma poesia, a Chuva, por meu pai...

Bendita chuva

De águas cristalinas

Redenção divina

Da natureza bela

Esperança do lavrador sofrido

Vida plena dos seres que respiram

Em tuas gotas benfazejas

Mantém a vida com vigor,

Alegria

E abundância

Formando rios permanentes

Ou temporários,

Deixa em tudo fartura

E muita crença

Chuva de prata

Seja para nós

Eterna!...

(Orlando Ribeiro de Andrade)