quarta-feira, 11 de julho de 2012

Essa coisa de lidar com a morte, sempre me intrigou...Perdi o meu pai há menos de dois meses de ganhar um filho, numa manhã ensolarada de janeiro. Morte e vida ocupando praticamente o mesmo espaço. E João chegou através de uma mãe repleta de antagonismos... Numa manhã de abril, quatro dias depois do aniversário do meu pai. Misteriosamente, o meu pai, que não entrava em cemitérios e que sempre voltava da porta quando era obrigado a ir até lá, não sei se por pavor, ou por não saber lidar com a situação, apesar de termos escolhido diversos lugares para a sua sepultura, a única que deu certo foi exatamente no portão, praticamente no mesmo local onde ele se postava, para não arriscar um contato maior com o universo desconhecido. Não sei se coincidências, acaso, ou o desejo de que tudo tenha sempre uma explicação. E o meu filho nasceu com os mesmos olhos rasgados do meu Orlando que se foi...
E num dia como hoje, quando fico perto de alguém que está atravessado pela mesma dor, fico com a impressão de que posso ganhar rios de maturidade, a morte sempre será algo com a qual não saberei lidar. São muitas perguntas sem respostas. São muitas respostas que nos damos apenas para acalentar o espírito. Me pego misturando suposições e realidade, sem dosagens certas, apenas querendo compreender...Na verdade, acho que o mais difícil de lidar é com a ausência do que esteve tão próximo. As lembranças assustam tanto quanto os fantasmas. Não é o assombro que me causa temor, mas o desconhecimento e a saudade... Meu avô Irineu dizia "que tudo passa, só não passa a espada de Deus". Acho que essa era uma descrição prá o que não se pode evitar, prá morte, implacável...
Abaixo, um poema do meu pai...Também inquisidor, também querendo respostas, também desejando que houvesse algo mais além...


QUEIXUMES
                                                  

SINTO...
Como o rio
Desliza velozmente,
Como o barco
Singra mansamente
...as correntezas além
Como
o vento passa incontrolável
Fustigando impiedoso
O rosto calmo de alguém,
Levando na poeira
Arrastada
Esperanças de quem está só!
SINTO...
Como espinha e egoísmo
Desbotando o sorriso
Da alegria que sobrevive,
Em Vão...
E na tristeza que tanto deprime,
SINTO...
Como num pesadelo
O espinho duro da verdade
Sangrando-me o Coração
...nada muda
Estou seguindo para um fim.
Um fim verdadeiro,
Que será o começo
De uma realidade nova
Que jamais
Saberei Cantar. 

 (Orlando Ribeiro de Andrade)

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Tenho medo do que vivo agora
essa palpitação
esse pulsar
esse contar das horas
esse desejo de que a ampulheta se esvaia
só prá te encontrar...
Tenho medo desse recomeço que me espera
como se fosse ontem
sob a sombra da nossa árvore
quando eu caía em teus braços
e o mundo parava contemplativo
apenas para que trocássemos juras de amor...
Tenho medo desse meu desejo repentino
de ficar ouvindo seu resfolegar
enquanto se afoga em minhas madeixas.
Tenho medo dessa vida que me espreita
quando tudo parecia haver ruído
e do caos a nossa música toca
e você me aguarda com esse sorriso torto
da beira do abismo
e me convida a pular no infinito...

                                             (Tâmara Rossene)
No final de semana um Redemoinho salta de repente sob meus olhos...O vento e a poeira arrastam prá longe meus pensamentos e começo a divagar no tempo...Estávamos em Barreiras, morando ali pelo Sandra Regina, em plena década de 70. Acho que era um feriado de sete de setembro. O meu pai tentava tirar um cochilo e da cama observava pela janela aberta, um Redemoinho que parecia estar a quilômetros da nossa casa. Estávamos na cozinha, eu, minha mãe e meus irmãos. De lá, ouviamos claramente a voz do meu pai, narrando a trajetória do pé de vento. Dizia que estava arrastando tudo a sua volta e que tinha aumentado de tamanho e soube precisar exatamente a localização geográfica em que ele se encontrava. Depois complementou, falando da bobagem que considerava as pessoas dizerem que dentro de cada Redemoinho tinha um capeta dentro. E aí passou a desafiá-lo falando que não acreditava nessas crendices populares e que queria ver o tal pé de vento chegar naquele momento na sua casa. E sorriu, talvez acreditando que ele mesmo estivesse perdendo tempo com vento e poeira... Foi nesse momento que ele percebeu que ia se deitar com sede e se levantou para ir tomar um copo d'água. Nesse exato momento, quando já estava de pé ao lado da cama, um barulho ensurdecedor chegou até nós. O tal Redemoinho em milésimos de segundos destelhou a nossa casa e jogou dezenas de telhas em cacos sobre a cama, onde há pouco estava o meu pai...Ele, alvo como papel, depois de passado o susto, não perdeu a pose e disse que se o pé de vento tinha o capeta, ele tinha Deus, que o tirou da cama antes. E agora, essa história vem com o mesmo rompante das telhas sobre a cama, arrancar-me da rotina fustigante e me fazer sorrir... Mas prá você fica o recado, se não acredita, melhor não ousar desafiar...