segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Final da década de 90 e lá estava eu, recém saída da Faculdade, perdida entre números, no escritório das Lojas Americanas de um shopping em Salvador. A empresa lançou uma campanha para ampliar o número de filiais até o ano 2000 e nós tínhamos que fazer uma fila dupla, na entrada da Loja, de um lado e do outro, recebendo os primeiros clientes do dia, enquanto o jingle da campanha era tocado em alto volume. Eu fazia aquilo quase que obrigada, pensando nos lançamentos contábeis que me ocupariam o dia inteiro. Mas sorria, como ditava as regras. Num desses dias, cinco clientes no máximo entrando e eu vejo um amigo da adolescência, dessas bandas do Velho Chico, se aproximar. Por um breve momento, achei que ele tinha me visto e desviava o olhar. Tentei novamente fitá-lo
e ele apressou o passo e entrou na Loja. A música acabou e eu voltei para o escritório, tentando localizá-lo entre os corredores de mercadorias. Só então a ficha parece ter caído. Eu, fardada, na entrada de uma Loja de departamentos, sem nenhum símbolo de sucesso para exibir. O que seria aquela imagem para o meu amigo? Talvez a de uma pobre moça, que acabara o ensino superior e precisava trabalhar para sobreviver, daquela forma subalterna. Ele acabara de assumir um cargo de confiança numa Prefeitura do interior, sem ter se aventurado como eu, nos caminhos do mundo e dos livros. Ele era o símbolo! Eu, invisível, presa as engrenagens de uma máquina, que eu não comandava. Enquanto ele já era o próprio comando.
Anos mais tarde, nos reencontramos. Mas nessa época, eu já tinha marcas de "sucesso" suficientes para exibir, para que ele voltasse o olhar em minha direção. Voltou a ser então, o meu amigo querido de outras épocas. Nem ele, nem eu, mencionamos aquele dia. Chego a pensar que ele acreditou que eu nem percebi o seu passo apressado e o seu olhar escorregadio daquele dia e que respirou aliviado por essa constatação... Às vezes quero livrá-lo da culpa e imagino que ele não tenha me visto. Talvez a circunstância tenha me invisibilizado. Ainda carrego essa dúvida, porque talvez essa seja a melhor resposta. Mas esse fato também me trouxe um olhar que está sempre espreitando a sombra dos invisíveis. Os que estão a margem da lógica perversa. Os que são silenciados todo o tempo, por olhares como aquele do meu amigo, que atravessou o meu semblante, como se eu fosse uma pobre alma, a vagar...

P.S. Na foto, ciranda de roda, na Ilha Grande...

domingo, 20 de setembro de 2015

92 anos de tio Elias, na verdade tio do meu avô. E eu ali ouvindo as filhas dele falando do pai zeloso que velava as noites em que os filhos ardiam em febre, às vezes debulhando o milho, para não adormecer. Debaixo das mangubeiras da Canabrava, mergulhada na noite, eu fui penetrando em minhas memórias. Tio Elias, homem pacífico e de poucas palavras, me lembra ao engenho de cana se movendo com os animais; a sua Quezinha, que me recebia sempre com beiju de massa, café e um sorriso. Paulo e Lena me oferecendo um copo de garapa de cana e jatobá. Os olhos e as longas tranças negras de Lena, se movendo em nossas brincadeiras. Os poucos metros que eu e minha tia Cristina percorríamos da casa de tia Helena até encontrar a porta da frente da casa de tio Elias. Zé, Eli, Vera e Silvia com sua voz limpa, de braços abertos prá mim. As filhas lembrando a convivência com o pai e eu revendo meus avós Anália e Minervino entrando na casa de Dona Edite, na sala de Dona Isaura, no engenho de Silas Braga, com os pés mergulhados no regato. Eu, me sentindo tão distante daquela realidade e de repente percebo que tudo aquilo são pedaços de mim.  O cheiro do sabão de manguba. As mulheres na lida da mandioca. O mel de rapadura escorrendo em meus dedos. Os meninos na porta da igrejinha, esperando a hora do catecismo, aos domingos. E quando estamos indo embora, meu avô entra no carro e começa a falar das suas próprias lembranças. De ter sido o primogênito de Samuel e das suas tias disputando as suas mãozinhas de garoto. Da estrada onde passavam os boiadeiros, com boiadas estrondosas, sob seu olhar de menino. Nossas memórias ativadas. De repente ouço uma voz ao longe e não identifico como parte daquele cenário. Meu filho em meu colo, me diz: - Gostei da Canabrava, mamãe! Fico pensando se parte disso tudo, chegará até ele. Ou se adormecerá junto comigo, no labirinto da memória...

terça-feira, 15 de setembro de 2015

A menina chora a miséria
em mares nunca navegados.
Enquanto a dor alheia se espraia
ali, bem ao seu lado...

sexta-feira, 4 de setembro de 2015




A menina que tanto já bradou ao vento
agora julga o grito do outro
mau intento.
 Menina, menina
que agora julga e condena
apenas a tua voz é legítima?
ou estás presa as engrenagens
do sistema?
(Tâmara Rossene)

No menino sírio
reconheço o rosto de meninos que todos os dias
eu vejo em minha sala fria
seguros na barra da saia
de mulheres de mãos vazias.

Eu reconheço a minha e a sua boca
que silenciam
num mundo repleto de hipocrisia
e de causas tão, tão vazias
quanto aquelas mãos.
Mundo cão!

 
(Tâmara Rossene)