sexta-feira, 30 de novembro de 2018

Todos os dias eu a vejo, as primeiras horas da manhã, arrastando sofregamente "o menino". O menino, é um homem de cerca de 30 anos, com problemas mentais, que se comporta como se não tivesse saído da primeira infância. Ela, já passou dos setenta e cinco. Tão magrinha, como se fosse partir ao meio. Ele, cheio de vigor, sem ter aprendido a controlar a própria força, enérgico, um garoto em explosão. Ela o arrasta pela rua comprida, no que parece ser uma tentativa de fazê-lo se exercitar. Ele para ao menor ruído de uma folha que cai, de um cachorro que passa, do vento que sussurra em seus ouvidos. Ela lhe chama carinhosamente para que siga. Ele para, não quer ir, volta atrás. Ela tão frágil, diz: vem... Uma voz fraca, de mãe, que já mingou as suas forças. Já perdeu todas as noites de vigília, todas as manhãs e tardes, nesse exercício que não termina, porque o filho não cresceu, nem crescerá... Ela só tem a ele. Ele só tem a ela. E eles estão presos nesse ciclo. Mas ela já está findando. E ele segue, menino saltitante, curioso, para além do fim. Vendo-a assim, me sinto tão covarde diante de conflitos que me parecem agora, banais. Observando-a, passo a achar tanta gente que me parecia gigante, minúscula. E cá estou eu , tentando imaginar quem os prendeu nesse ciclo perverso. Tentando pensar, em quais teorias irei me agarrar, para tentar arrumar uma explicação que sirva apenas para acalmar o meu próprio espírito. Mas no fundo, estou apenas tentando afastar um pensamento que me acomete, de quem o arrastará assim pelas ruas, se ela se for antes...



quarta-feira, 21 de novembro de 2018

Você consome porque sente que precisa, ou porque uma voz, lá fora, lhe grita?
Quando compra, a quem você atende, a necessidades supérfluas, urgentes, ou ao temor de parecer que está numa lógica diferente?
A lógica é sua ou é subordinada a um chamado maior?
Você já se perguntou porque está comprando, para atender a quais anseios, para tapar a quais vazios, ou isso não importa?
Por quanto tempo dura a sua felicidade nas aquisições que realiza?
Você compra por utilidade?
Quem atribui esses valores?
O outro vale pelo que compra ou isso não tem importância?
Comprar envolve um sentimento banal ou profundo?
Quem é você, na lógica do consumo?

sábado, 10 de novembro de 2018


                                                               



Eu sou vento forte
arrebentando as telhas
de uma casa inacabada.
Água de enxurrada
jorrando no meio da rua
enquanto uma louca nua
sorri.
Eu sou palavra
explodindo, escorrendo, gritando
que não caibo em mim...

P.S. Foto, Verona, 2013.

terça-feira, 6 de novembro de 2018

Em meio a exaltação política, uma mulher que fazia parte da minha lista de amigos, fez uma postagem se referindo as feministas, dizendo que eram pessoas que não sabiam “ser mulher”. Fiquei por dias com essa frase me incomodando. Eu sei que ela se referia a características que atribuía a "feminilidade". Mas o que será mesmo ser mulher? Pensei naquelas mulheres que acordam quando o sol ainda nem raiou, preparando o almoço, o café, saindo para pegar o ônibus das cinco da manhã, sem tempo de passar um batom, de sentar lendo uma revista em um salão de beleza, no final de semana, com as roupas prá lavar, cuidando sozinha dos filhos, do homem que não soube ser homem, será que não sabem ser mulher, porque a vaidade não lhes cabe, no tempo que não lhes resta? E aquelas mulheres que cuidam exaustivamente de filhos com doenças crônicas, comendo em pé nos corredores dos hospitais, sem rímel, sem lápis, sem unhas pintadas, saberão ser mulher? E as que correm de suas casas, fugidas, trêmulas, com os cabelos desgrenhados, pela violência do companheiro que as expulsou, saberão ser mulher? Aquelas que estão há cinco, dez, vinte dias sem dormir, ninando o pequeno filhos nos braços, com as olheiras escorrendo pelo rosto, saberão? As que catam lixo em lamas fétidas, sem perfumes caros, sem saltos altos, saberão ser mulher, assim tão longe desses formatos? E aquelas que tem apenas duas, três peças de roupa, porque se não for assim, os filhos não tem o que vestir,o que comer, serão mulheres que sabem ser mulher?  Não, não são os padrões de feminilidade impostos. Nem o feminismo impede o batom, minha cara. Mas do que vale esse cabelo impecável e essas unhas inquebráveis, se você sequer imagina que ser mulher é justamente compreender essa dor que aflige a tantas outras e se indignar com os direitos que não chegam as outras? Você precisa aprender sobre ser mulher...

P.S. Foto da página http://tribunadoceara.uol.com.br/blogs/dialogos-urbanos/tag/dia-da-mulher/


A vista do mar
se verticalizando...
A vista depende de quem está pagando.
É prá todo mundo a ótica do mar?
ou prá quem pode  pagar?








No fundo da casa
Nosso mundo escondido...

Onde ninguém pode ver

E outros olhos não alcançam

Nossas almas dançam...




P.S. O quintal de minha vó, em outro tempo, num outro universo...