terça-feira, 23 de setembro de 2014

Abandonei o café e a pressa para assistir as cenas da reintegração de posse de um prédio antigo, no centro de São Paulo. As imagens dos policiais armados por detrás dos escudos, a princípio me sugeriram uma guerra e eu esperei ansiosamente pelas armas dos que estariam do outro lado. De repente começaram a atirar colchões, panelas e outros utensílios domésticos. Não conseguia ouvir a voz da repórter, não sei se inconscientemente ou se de forma proposital, para não me contaminar com o oportunismo. Mas junto com a voz incessante que anunciava o ineditismo das imagens, acho que devo ter ouvido algo, porque fiquei esperando os bárbaros se atirarem sobre a Polícia. Ao invés deles, uma mulher saindo com uma criança nos braços. A câmera volta para as bombas de gás lacrimogênio. A cena da criança chorando nos braços da mãe foi abandonada e eu do lado de cá, querendo notícias.  Por ironia, a Constituição Federal encostada na estante a minha frente. Lembro do trecho "a propriedade cumprirá a sua função social", quase ao mesmo tempo em que ouço que o prédio está abandonado há dez anos. Tentei imaginar a ocupação do lugar, as caixas de papelão servindo de armários, os colchões depositados sobre o assoalho e a sensação de estar em casa! Aí muitos me dirão, que há aproveitadores infiltrados, que há manipulação e interesses escusos. E me contarão histórias de pessoas que superaram as adversidades e que sairam da condição de miséria, como se fosse essa uma regra geral. Como se a meritocracia pudesse alcançar a todos. Passei a manhã pensando no Princípio da Proporcionalidade e na voz da repórter informando que a Prefeitura reservou lugares em um depósito e no CRAS, mas os ocupantes se negaram. Novamente as caixas de papelão me vem a mente, a porta abrindo e fechando e eu me perguntando: E a sensação de estar em casa? Achei desproporcional. Lembrei de um trecho de Milton Santos, quando ele afirma que "o espaço tem muito de parecido com o mercado". E depois diz que "mercado e espaço, forças modeladoras da sociedade como um todo, são conjuntos de pontos que asseguram e enquadram diferenciações desigualizadoras". O mercado e o espaço ditando nossos martírios cotidianos, legitimando guerras entre desiguais. E a gente proclamando o mérito, como se ele pudesse salvar a todos. Novamente Milton Santos povoando meus pensamentos, tortuosos para muitos... "Cada homem vale pelo lugar onde está".

P.S. Para amenizar, uma foto tirada por Aline Amorim, da roda gigante que agora ocupa o espaço do calcadão da Barra, com o prédio do Oceania atrás. Muitos, que circulam na roda gigante, olham para o prédio, como um objeto de desejo...


sábado, 13 de setembro de 2014

No meu retorno a Ibotirama, em 2005, ainda insegura com o processo de regresso e ansiosa pela mudança, eis que surge Rita em meu caminho, a princípio para me ajudar com as tarefas da casa. Mas depois passou a ser como um braço direito, que me socorreu por incontáveis vezes. Acompanhando de tão perto a sua luta para criar os filhos e vendo-a exercendo esse papel com tamanha dignidade e honradez, me sinto ínfima, quando são direcionados elogios a mim. Eu, que fui agraciada com tantas oportunidades, jamais poderia me sentir confortável, pensando nos meus próprios méritos, quando penso em pessoas como ela, que apesar dos direitos que lhe foram negados, contrariam as estimativas que as circunstâncias ditam. Ela certamente é muito maior do que eu e do que muitos que estão a minha volta, que tiveram estrutura familiar e um caminho apontado. E hoje eu estive assim, por algumas horas em frente a sua casa no bairro São João, feliz por celebrarmos mais um ano de vida que lhe chega, por termos nos tornado comadres e por ter exemplos como o dela, tirando a venda dos meus olhos e me mostrando de que tamanho eu realmente sou...

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

SEM FILTRO, SEM MAKE, SEM MÁSCARAS!

Pois é, embora ninguém tivesse me desafiado, como é a última moda das redes sociais, e embora eu esqueça muitas vezes do filtro e esteja quase sempre sem maquiagem, cá estou eu... Disposta a retirar os disfarces, porque só assim estarei em minha inteireza.  E quando as máscaras caem, eu não sou tão tolerante quanto pareço e não tenho vontade de dar bom dia para todos aqueles que cruzam o meu caminho. Sou completamente avessa as formalidades e a burocracia que cercam o meu cotidiano. Tenho paciência para ouvir, mas confesso que ás vezes me perco no diálogo e fico me perguntando lá dentro, porque a história não se desenrola de outra forma, ou porque nunca termina. Sou péssima para gravar rostos e nomes, mas não por desinteresse, e sim por uma dificuldade da memória, que já me colocou em sérios apuros. Mas gravo os enredos.  Perdôo mil vezes até, mas tem algumas mágoas das quais não consigo me desvincular. E para os autores delas, o pior sentimento que posso oferecer é a indiferença. A indefença pelo outro dentro de mim, significa a morte. Já chorei tanto, que hoje tenho dificuldade de verter lágrimas. Não gosto de barulho por nada. Não tolero discussões acaloradas. Não suporto que associem a minha fé, a falta de frequência nos templos religiosos. Tenho um espírito livre e uma alma feliz. Ás vezes acho que tenho tanto, que tenho vontade de chorar (e choro) pela dor alheia. Mas ás vezes sou cruel e sinto alívio quando vejo o outro reconhecendo e sentindo a dor, pelo erro cometido. Tenho vontade de usar roupas das décadas de 60 e 70, mas me rendo ao julgamento alheio, e me sinto covarde por isso. De igual modo, às vezes me sinto covarde por não me importar com o julgamento do outro. Tenho uma alegria que se expande. Mas gosto muito de solidão. Tem dias que sou extremamente melancólica, como se isso fosse uma legado, que me perseguisse. Não gosto de televisão, mas posso passar horas, assistindo a um filme meloso e sem sentido, só porque a música ou a fotografia me tocaram. Gosto de contemplar e me culpo quando me permito estar no ócio. Acho que sou uma incógnita para mim mesma, ainda que sem nenhuma maquiagem ou máscaras para camuflar...

terça-feira, 2 de setembro de 2014

E de repente, o meu filho em uma fração de segundos, sem que eu me descuidasse, se atira no portão eletrônico e prende o pezinho. Não consigo soltá-lo, perco o chão e grito socorro desesperadamente. E na mesma fração de segundos, meus vizinhos surgem do nada e empurram o portão prá longe! Ficou um arranhão apenas! Ah, mas o sentimento da fragilidade daquele menininho ali a minha frente e do meu tamanhinho frente aos acasos é uma cicatriz que atravessa a minh'alma... De repente, a consciência da minha impotência! E a dor do meu amor!


P.S. Na foto, Mariana lendo prá João Marcelo na Biblioteca dos Barris...