sexta-feira, 26 de julho de 2019

Ao cair da tarde
quando o céu é um quadro misto de laranja e cinza
e meu peito se abre num precipício
tudo me parece infinito...

Quando defronte para o mar
o horizonte é um par de asas
e o meu mergulho é a fuga do conflito
tudo me parece infinito...

Quando o teu braço é o meu refúgio
e nele eu sou salva 
da queda no abismo
tudo me parece infinito...

Quando eu engulo paisagens que quero guardar
tristeza que quer me afogar
alegria que não quero conter
o riso, a dor, o grito,
tudo, tudo, me parece infinito...

E nessa proporção em que me vejo
andar, contemplar, sentir,
descobri que o infinito
está dentro de mim...
                      (Tâmara Rossene)

terça-feira, 2 de julho de 2019

Uma mulher aparentemente de cinquenta e poucos anos, sentada em um banquinho a minha frente, cabeça baixa, lixando pacientemente as minhas unhas dos pés, enquanto vai narrando a sua própria trajetória. Me fala orgulhosa da família para a qual trabalhou uma vida. Os meninos que criou, sabendo contar em cores e detalhes, cada etapa que eles vivenciaram. Vai descrevendo as dores e alegrias que viveu junto a eles, ora eufórica, ora saudosa. Quando foram estudar na capital, ela também os acompanhou. Acordava cedo para preparar o café e dormia tarde, preparando o próximo dia. Nesse momento, os olhos brilham, mas depois se apagam, como num flash, quando diz: agora estão casados e criaram família. Pergunto se voltou por isso. Ela me diz um não, com veemência: - Descobri um problema de saúde e não posso mais trabalhar com esforço. Voltei porque não podia continuar fazendo trabalho pesado. Mas até o momento, não tinha percebido que a forma que ela falava do trabalho parecia tão leve! Só então me dei conta das tarefas domésticas, no lava, passa, esfrega, cozinha, de todo dia. Volto a ouvir a sua voz, quando fala: - Por isso voltei a fazer unhas, por isso deixei os meninos. Foi o jeito que achei, de pagar as contas. Quantos anos teria, aquela mulher negra, com um riso (embora fácil), meio triste? Depois ela passa a me indagar sobre os meus filhos. Me diz que filho é "benção". Conta que ajudou a criar uma sobrinha, que também a chama de mãe. Que todo mundo deveria ter um filho prá fazer companhia na velhice. Eu lhe pergunto quantos filhos teve e ela me responde, com um pensamento distante, enquanto segura a minha mão direita no ar, observando o seu trabalho com a base, que acabara de aplicar: - eu não tive, mas deveria ter tido. Não sei porque não tive. Foi nesse segundo que compreendi que ela devotara tanto amor "aos meninos" e a família de quem ela falava mais do que dela própria, que não percebeu que não teve os seus próprios filhos, porque emprestara esse tempo a eles. Fico pensando com quais medidas essa relação foi construída. Haveria reciprocidade nesse tempo e dedicação desprendidos? e a relação trabalhista? será que pode se valer dos seus direitos para amparar o seu retorno, com problemas de saúde para casa? Acredito que não. E o tempo que lhe foi roubado dos filhos que não teve? As noites colocando aquelas crianças para dormir, que não foram usufruídas com as suas; as cantigas que ensinou a elas; os aviõezinhos com as colheres de comida, o zelo com os uniformes escolares, os machucados, as birras... Fiquei divagando sobre o tempo que as vezes roubamos ao outro, de forma covarde, usando as várias formas de amar alheias. E quando o bonde já passou e o outro não puder mais retomar os ciclos, quais punições nos serão dadas? seguiremos apenas, como aqueles meninos que cresceram? o que será ela na cabeça deles? será que têm consciência dessa devoção, ou apenas uma lembrança, sem qualquer culpa pelos pesos diferenciados que se estabeleceram? sem qualquer preocupação com o tempo doado, porque  talvez eles acreditem, que permitiram que ela ficasse, até quando não servia mais...