quinta-feira, 2 de janeiro de 2020

Era um período qualquer da década de 80. O final de ano parecia estranho. A minha avó havia infartado meses antes e faria logo após as festas, a cirurgia de ponte de safena. Estávamos todos em Salvador, eu tinha lá pelos doze anos e em meio a agonia, a minha mãe não teve tempo ou clima para providenciar a tal roupa branca do ritual da passagem de mais um ciclo. Por minha própria conta, eu fui até uma costureira perto de casa e com o meu vestido da primeira comunhão na mão e me sentindo a própria estilista, saí com o figurino pronto. Quando partimos para saudar o novo ano, junto a minha avó, parece que ninguém reparou na minha vestimenta. Mas para arrematar, eu passei a mão em umas flores plásticas amarelas, em um jarro sobre a mesa e prendi com um grampo, um ramalhete no meu cabelo. Todo mundo tenso e preocupado nos abraços de feliz ano novo e eu me sentindo fantástica! Naquele final de mais uma estação, fui eu por mim mesma. Não criei expectativas com o estado de saúde da minha avó, apenas aproveitei cada segundo ao seu lado. Não escolhi a roupa a dedo; não esperei o cuidado e a paparicação de sempre; não criei expectativas com a festa; sequer expressei os meus calundus costumeiros. Mas me senti cheia de poder, aos doze anos, por ter contado comigo mesma em meio as circunstâncias. O ano passado foi repleto de tribulações e parecia interminável. Ontem eu troquei de roupa três vezes, porque não houve tempo de escolher o figurino de mais um ritual da virada (a gente se diz desapegada, mas de repente se importa com cada bobagem!). Então eu me lembrei da menina de 12 anos e saí confiante, de que neste ano que se foi, em meio ao caos, eu pude contar comigo mesma, como naquela noite. Eu não coloquei um ramalhete no cabelo, mas me senti fantástica! Agora estou como em todo ano, de frente para o mar aberto (é assim que eu me sinto) de 2020. Pensando em como eu aprendi a reduzir as expectativas, o que não significa deixar de tê-las. O mar está lá, em toda a sua amplitude, mas eu aprendi a me jogar nas águas, sem esquecer de ser terra firme...