terça-feira, 24 de março de 2020



Eu não me lembro quando foi que a casa se transformou em ruína, porque a cada dia em que eu a via, parecia faltar um pedaço. Mas eu me lembro de tê-la sempre numa das curvas da estrada que leva ao Boqueirão, a Canabrava, a Barriguda, a destinos que eu me habituei a percorrer. Me recordo de uma foto de um fusca, não sei se azul ou amarelo, em algum lugar do passado, em frente a ela. Noutro dia a minha mãe me falou dessa casa, como se fosse uma amiga próxima. Disse que ela pertencia a Zé Valente, um pernambucano que veio parar nesse cenário, mas ela não sabe como, nem os porquês. Lá nas memórias da minha mãe, ele tinha três filhas: Zulmira, Cindá e uma outra da qual não se recorda o nome. Se recorda que a mesma família também tinha uma casa na rua Primeiro de janeiro e intercalavam as estadias, entre uma e outra. Uma das filhas trabalhava em uma loja de nome Jóia e vendia tecidos. Outra delas costurava. Talvez por isso, a minha mãe tenha associado essas  lembranças com a memória dos vestidos das moças: rodados, com pregas, babados, laços, saiotes, cheios de vida, de volume e de cor. Ela se deteve por longos minutos descrevendo as moças alegres, em seus vestidos encantados. Depois se voltou para os rapazes. Me conta que eram dois e que um deles, Onofre, ainda vive em seus noventa e poucos anos e que outro dia teve notícias da sua existência. Mas e a casa? ah! minha mãe suspira e diz que a casa lhe roubava a atenção e a de qualquer transeunte daquelas estradas, com seu alpendre repleto de plantas de todos os formatos, balançando ao sabor dos ventos. E assim ela paira no ar, descrevendo a casa como um lugar mágico, na beira da estrada, com as plantas se misturando as cores vibrantes das paredes, as saias rodadas e a risada das moças. Depois de ouvir esses relatos, quando eu ouço o vento acariciar as ruínas, eu me lembro da risada das meninas nos pensamentos distantes de minha mãe. O vento parece sacudir os vestidos das moças,quando toca o alpendre e as ruínas, enquanto se transformam em poeira do tempo, sorriem...