quarta-feira, 21 de setembro de 2022

Memórias políticas I 


Das memórias de minhas andanças em campanha política com vovô Minrvino, lembro quando era preciso escrever o voto nas cédulas e os candidatos mandavam fazer umas forminhas de papelão com os números. O eleitor, mesmo analfabeto, a custa de muito treino, percorria a forminha com a caneta e aprumava o voto.

Num certo dia, eu não sei em que comunidade estávamos, mas eu era uma criança de uns nove anos e já havia aprendido como se treinava um eleitor a exercer a cidadania. Me trouxeram uma moça na casa dos trinta e poucos anos e me mandaram ensiná-la. Coloquei a forminha de papelão em cima do papel que simulava uma cédula. A moça, que tinha problemas mentais, transpirava muito. Eu segurei em suas mãos trêmulas e fui ajudando-a  a perccorrer os números com a caneta. Primeiro Prefeito, depois vereador. Ela dava risinhos nervosos. Eu, didática, dizia você consegue, falta pouco. A moça ria mais ainda e suava. Eu olhei os seus riscos tortos e senti compaixão. Duas semanas depois eu soube  que a moça havia sido encontrada afogada num riacho. Eu senti vergonha. E pedi perdão em silêncio por tê-la inquietado em seus últimos dias. E assim eu segurei nas mãos de tantos idosos igualmente trêmulas, envergonhados por não saberem se desvencilhar sozinhos no papel. E apesar de ajudá-los a vencer o medo, muitas vezes, era eu quem sentia vergonha, em ocupar aquele lugar, num país repleto de analfabetos e desiguais. hoje eu sinto ter aprendido essa lição tão cedo...