A
Promessa de Anália
Anália se criara em Canabrava. Dali só
saíra aos 15 anos, após o casamento com Seu Mine, único amor que tivera na vida
e que já lhe arrastava prá uma boda de ouro. Sua vida fora driblar as 05 pontes
de safena, a pressão alta e o diabetes, entre gargalhadas em que ao final
exclamava: ai, ai!, comidas e guloseimas “idecentes” de tão saborosas e
proibidas para as suas restrições de saúde.
Entre as suas idas e vindas ao
Hospital, três coisas não lhe abandonavam: a vaidade, a alegria e as promessas,
que ela fazia aos Santos Padroeiros (Santa Rita era a preferida, porque nascera
em 22 de maio). Pagava-as com foguetes, rezas encomendadas, velas e caminhadas
até as capelas. Em Canabrava, na Barriguda e em tantos outros lugares, os
Santos já foram testemunhas de sua devoção.
Naquele dia Anália esperava ansiosa a
sua ida a Canabrava, pra rever contemporâneos, amassar a farinha de beiju, tão
diferente da cidade e acompanhar a procissão que saía da igrejinha. Mas não é
que na hora exata do carro partir, percebe que a sua sandália arriada, como
chamava os calçados sem salto, tinha desaparecido! E corre daqui, corre acolá, nada
de sapato! E ela repetia: mas uma sandália novinha, comprei só para isso!
Diacho! Acode a nora, acode a filha, acode o marido, mas a sandália insiste em desaparecer. Lembram
então que a festa é só daqui a três dias e que a nora partiria no dia seguinte
e teria a incumbência de levar o tal calçado.
Anália então parte como de costume
sorridente, não sem antes deixar recomendações, dona de casa zelosa que era e
pra não esquecerem mais uma vez, não deixassem de levar a tal sandália. A nora
já entre dentes, fingindo um sorriso, diz um não se preocupe um tanto quanto
exasperado.
Ao chegar a Canabrava, revêem os
amigos, provam das maravilhas naturais da roça, relembram fatos e tudo correria
na mais perfeita paz, se não fosse a nora chegar com a notícia do desaparecimento,
ou melhor, do não aparecimento da tal sandália.
Anália amua. Os sinos da Igreja já
anunciam a procissão e parecem chamá-la. Todos lhe rodeiam a suplicar para ir
com a outra que a nora zelosa (e precavida) levara e ela nada. Eram 70 e poucos
anos de teimosia. Sai a Anália devota e entra a vaidosa. Que o sapato que lhe
trouxeram não combinava com o tal vestido. Que comprara um exclusivamente para
a ocasião. Alegam que as ruas são de barro, que o povoado e o povo, são
simples, que ninguém irá reparar. Mas nada. Surge uma amiga e anfitriã e cede o
próprio sapato, também igualmente novo, que comprara naquela semana na
cidade... Ela olha e faz cara de desdém, agradece, mas não foi aquele o
escolhido por ela.
Novas adulações: filhos, marido,
amigos, parentes, vizinhos. O sino tocando e o clamor de vozes em torno de
Anália. Ao que o filho impaciente, sugere sem pensar, talvez pra dar uma idéia
absurda, pra importuná-la ou para acordá-la de tamanha falta de flexibilidade.
E diz: ô minha mãe, porque a Senhora não vai descalça? Finge que está pagando
promessa e pronto. Acaba o problema.
Todos sorriram desdenhosos. E um
clarão ilumina os olhos de Anália. Rapidamente volta-se ao espelho, ajeita os
cabelos grisalhos, o vestido impecável. Coloca o cordão de ouro. Tira a
sandália emprestada da amiga e dá o braço ao marido. Todos correm a fazê-la
desistir da idéia. Mas percebem ser em vão.
Minutos depois, atrás do cortejo,
explodem os foguetes, se misturando ao som dos hinos entoados. Em meio a fila
indiana, vai Anália de vela na mão, reza nos lábios e os pés calmamente tocando
no barro vermelho.
Atrás da fila e na porta das casas, o
comentário é um só: mulher de doutor, pagando promessa descalça. Sem vaidades!
Isso é que é simplicidade!
E para todos Anália fazia um meneio de
cabeça e dava um sorriso, sem perder a alegria e a devoção.
Adorei! ����
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