sábado, 12 de março de 2011

Mais uma história do passado...

Papai Noel existe

Eram duas irmãs de 05 e 08 anos. Uma loira e a outra morena. Era dezembro. E como a maioria das crianças dessa idade, pensavam nos presentes de natal. A mais nova acreditava fervorosamente que este chegaria pelas mãos de Papai Noel e que o bom velhinho não teria do que reclamar do seu comportamento no ano que estava para terminar. A outra, julgando-se superior a irmã mais nova, com um sorriso no canto dos lábios, imaginava onde seria o esconderijo dos presentes que compraria o seu pai, aguardando até a madrugada da noite de natal. O pai, professor de escola pública, um homem que não se cansava de comprar livros e que sempre que tinha tempo relatava as suas descobertas aos filhos, em suas viagens pela literatura. O salário de professor que recebia, garantia o sustento da família, mas não chegava para os pequenos agrados que gostaria de fazer a eles. As duas meninas, mais o garotinho de três anos. Muitas vezes usava a criatividade, para que eles não sentissem falta de brinquedos ou presentes mais sofisticados. Foi assim que inventara o buraco mágico da parede. Comprava balas, jujuba, chocolate e outras guloseimas para agradar aos pequenos. E uma vez na semana anunciava que abriria o buraco mágico da parede, que ficava atrás da cama do seu quarto, onde guardava as delícias. Os filhos ficavam na expectativa, atrás da porta do quarto fechada, ouvindo o pai anunciar: - Vou pronunciar as palavrinhas mágicas! E balbuciava palavras que eles não conseguiam compreender, para depois mandar que abrissem a porta e distribuir os doces.

Naquele ano, não contavam com muito dinheiro para a compra dos presentes. Ele e a mulher lembraram então de apelar para a cúmplice criatividade, que os ajudara de outras vezes. Havia uma mocinha de mais ou menos 17 anos, que trouxeram de um pequeno povoado onde tinham conhecidos, para auxiliar nos afazeres domésticos. Lembraram que a tal moça tinha uma irmã que contava com uns 08 ou 09 anos. E foi aí que o plano entrou em ação. Levaram as filhas para uma loja de variedades, dessas que vendem desde alfinete até fogão, variando de preços, a depender do bolso do freguês. Disseram então as meninas que a irmã de Elenita (era essa o nome da moça) que vivia na roça, gostaria de ter muitas coisas, mas que os pais não podiam lhe dar, que tinha condição humilde e tal. Falaram que gostariam de enviar um presente de natal para a tal menininha, mas que não tinham idéia do que comprar. Disseram o valor que tinham disponível para o presente e pediram para as filhas escolherem algo que fossem do agrado delas. E que escolhessem o presente, como se fosse para elas próprias. Os pais acreditavam que as filhas certamente comprariam para a irmãzinha de Elenita, algo que gostariam de ganhar e assim, ficariam felizes quando recebessem o presente escolhido por elas, na noite de natal. Apesar da pobre irmãzinha de Elenita não ganhar nada, ou nem ter uma ceia nessa noite, mesmo tendo contribuído com essa história.

Bem, a irmã mais nova, sem qualquer noção de preço, começou a arregalar os olhos prás bonecas dos olhos mais azuis, fogõezinhos que praticamente faziam comidinha sozinhos, carrinhos de bebê enfeitados de laçarotes de seda e encantos de todos os tamanhos. Nesse momento, a irmã mais velha puxa a coitadinha para um canto onde estava uma poltroninha de chita e lhe cochicha ao pé do ouvido: - Essa menina mora na roça, nem sabe o que são esses brinquedos. E completa: - Vamos escolher um presente que sirva para ela. E para completar o seu raciocínio, caminha até uma prateleira baixa, cheia de roupas de criança e começa a procurar. A pequena ainda tenta argumentar: - Mais ela deve querer brinquedo. A irmã não lhe dá ouvidos e exibe como se fosse um troféu, um pacotinho com duas calcinhas na cor abóbora, de malha visivelmente inferior e explica: - Ela não pode ganhar brinquedos igual a nós. Mora na roça, não sabe o que é isso. A irmã não entende muito as explicações que a outra lhe dá, mas imagina que ela saiba o que está fazendo, afinal, é a mais velha. Caminha então para a mesma prateleira e pega um pacotinho igual ao que lhe mostrara a irmã. Esta sorri com malícia.

Os pais, que deixaram as filhas andarem livremente pela loja, vão ao seu encontro, assim que estas lhe dão sinal com as mãozinhas, cada uma segurando um pequeno pacote. E quando se aproximam e constatam o conteúdo das embalagens, não entendem a escolha das filhas e dizem que elas podem procurar algo melhor. A mais velha retruca: - Mas são lindas! Por isso escolhemos. Os pais se entreolham, sem saber se acreditam na explicação dada, ou se... não, não, as filhas realmente devem ter se encantado com as cores. Afinal, crianças não tem maldade.

Alguns dias após este episódio, chega a noite de natal. A ansiedade é grande após o jantar. E pensar que em apenas algumas horas saberão o que papai Noel reservou para elas. Será um conjuntinho de sofás em miniaturas que viram outro dia na vitrine de uma loja? Com certeza aquele cavalinho cor de rosa com manchas em tom de lilás. O garotinho é o único que não se importa com a chegada desse tal velhinho e dorme cansado pela farra da noite. As meninas rolam na cama, imaginando presentes de todas as formas e cores, que ganham corpo em seus sonhos. Despertam exatamente às seis da manhã e pulam da cama ao vislumbrarem pequenos pacotinhos depositados em suas sandálias, ao pé da cama. Decepcionadas com o tamanho do pacote, rasgam a um só tempo as embalagens em motivos natalinos. Ao mesmo tempo surpresas e decepcionadas, sacodem sem entender a embalagem com as calcinhas abóbora, que escolheram para a garotinha da roça. Em segundos, parecem compreender a peça que a vida lhes pregara tão cedo. Escolheram para a pobre meninha da roça, crianças iguais a elas, aquilo que não desejaram para si. A única diferença é que a garotinha que estava naquele momento ao pé do fogão, cuidando da água do café, ainda tão jovem, não mais esperava por esse tal velhinho, que acreditava só chegava para os filhos dos ricos. Enquanto que elas, eram um poço de expectativas, agora frustradas. E nunca mais esqueceram a lição.

(Tâmara Rossene)

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