domingo, 30 de agosto de 2020

Avaliando as referências dos meus filhos e ouvindo Mariana falando dos avós, percebi ser uma pretensão enorme pensar, que os valores que tem estão centrados apenas em mim, em Marcelo, em nós, como pais. Os meus pais, professores de 40 horas do estado, morando em Barreiras, a mais de 800 km de Salvador, migraram na década de 70, com os três filhos pequenos, porque o meu pai havia passado no vestibular de Direito, da Universidade Católica do Salvador. Um lugar onde o acesso era apenas para privilegiados, para "os filhos de papai"; os que tiveram a trajetória traçada desde que principiaram na leitura do alfabeto. Uma realidade a quilômetros distanciada do cotidiano do meu pai, que não fumava, mas que levava madrugadas com um cigarro entre os dedos e uma garrafa de café, para se manter acordado e conseguir estudar.

Fomos morar inicialmente no Vale da Muriçoca e ouvi de um playboizinho daqui de Ibotirama, filho de um dos coronéis da época, que estávamos morando em uma favela. Para mim, tudo era novidade: a tv em preto e branco, da Colorado, onde eu podia assistir ao Sítio do Pica pau amarelo; a praia; o Parque da Cidade; a atmosfera que mudou repentinamente, com eles fazendo das tripas coração, orçamento apertado e nos colocando em escola particular, para que a nossa vida, quem sabe, fosse mais fácil. Depois de um tempo na Vasco da Gama, nos mudamos para a Federação. O meu pai, saía todos os dias exatamente as 06h:12m (era o horário que o despertador me acordava), descia a ladeira que dava para o Vale da Muriçoca e subia a do Engenho Velho, numa aventura a pé até a Faculdade. Em algumas vezes, víamos a figura minúscula do meu pai subindo a ladeira, e ele nos dava um tchauzinho ao longe. A tarde se embrenhava como professor, nas aulas na Escola Polivalente do Nordeste de Amaralina, até depois das 22h. A minha mãe, dava aulas inicialmente na Escola Cupertino de Lacerda, na Amaralina e depois, passou a lecionar na Escola Mário Costa Neto, no Parque São Brás, pela manhã e a tarde. A noite, ficava até as 22 e pouco, na UNEB do Cabula, em sua imersão, na primeira turma do curso de Pedagogia, pagando caro pelo transporte no carro de uma colega, porque não havia ônibus até o seu destino. Eu tinha uns cinco anos e meio, o meu irmão, três e a minha irmã, oito. No cotidiano atropelado, nada nos faltava.

   Os avós paternos de meus filhos moravam no Nordeste de Amaralina. O avô, filho de um contínuo do Banco do Brasil e de uma dona de casa, cursou Economia na antiga Frederico (referência naquele tempo). E a avó, filha de um mestre de obras e uma empregada doméstica, estudou Biologia, na UFBA. Negros, de bairro pobre, numa Salvador desigual. Me lembro de Dona Aninha relatar os livros abertos a luz de velas, para não aumentar a conta de energia elétrica e as poucas roupas de que dispunha para estudar. Os dois, também trabalhando 40 horas e com filhos pequenos. Um deles, prematuro de seis meses, há 45 anos atrás. Os avós maternos e paternos dos meus filhos, venceram distâncias geográficas, sociais e econômicas. Driblaram o preconceito e as limitações. Num tempo tão longe das discussões do agora! Minha mãe e minha sogra, num tempo em que as mulheres não tinham sequer esse discurso afiado, na ponta da língua e as jornadas se estendiam, pelas noites afora, porque antes de serem estudantes e profissionais, tinham que cumprir o seu papel de mulher. Eles sim, são as grandes referências dos meus filhos. Porque depois do exemplo que nos deram, apenas precisávamos corresponder ao legado grandioso que nos deixaram...

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