sexta-feira, 21 de agosto de 2020

Quando você passar pela estrada que leva a Canabrava e avistar essa casa, não a imagine como qualquer canto, na beira do caminho. Essa é a casa da Ponta da Serra! Foi construída por meu avô materno, ali pelo início dos anos 70, antes mesmo do meu nascimento. Esse nome, Ponta da Serra, reverbera em mim, como o outro lado de um mundo feliz em que eu estive, por alguns anos. Do lado de lá da estrada, passava um riacho. Em alguns dias eu estava lá, água escorrendo em festa, ao lado de minha irmã, de tia Tina, de minha avó Anália. Em outros, eu estava com dor de garganta, ou com febre, ou com algum sintoma. A menina frágil e doentinha, mas sempre cercada. E sempre chorosa. Eu, em minha natureza dada a calundus, que aos olhos dos que me rodeavam, eram as vontades feitas, mas que para mim era um misto de incompreensão e tristeza. Uma menina que tinha mãos e braços a sua volta para acolhê-la, mas que chorava por dentro. E essa casa, que já existia quando eu passei a existir, era um lugar recôndito, um lugar onde eu podia olhar em volta e chorar por dentro a vontade, aos três, quatro, cinco anos de idade. Vovô Minervino em seu jipe verde, a gente batendo a cabeça na capota do carro, nos solavancos da estrada. 

Em um desses dias apareceu uma bola de fogo, no alto, perto da serra. Ora abaixava, ora levantava. Vovô Irineu, meu avô paterno disparou uns tiros em sua direção e ela apenas subiu um pouco mais, mágica, sem se explicar. Um misto de curiosidade e medo. Os adultos passaram dias levantando as suas hipóteses: era ouro encantado, a espera de um ser corajoso que fosse enfrentar os mal assombrados, as livusias, que apareceriam até que fosse desenterrado. Era apenas o reflexo de algum tipo de metal enterrado na serra, enganando nossos sentidos. Não havia energia elétrica. Estávamos na porta de casa, sob a luz fraca de lamparinas e lampiões a gás. Eu dormia e acordava no colo de Dé, a doce ajudante de minha avó. E sonhava que eu corria em direção a bola de fogo, que voava sobre minha cabeça. 

Há pouco tempo me surpreendi com alguém falando numa comunidade próxima dessa casa, sobre a bola de fogo encantada. Ela ainda existe! Resistiu em todos esses anos, mesmo com a chegada da energia, com muitas casas vazias, com o sumiço das assombrações. Sinal de que ainda não apareceu nenhum herói disposto a desvendá-la.

Eu não sei quando aquela casa deixou de pertencer ao meu avô. Mas em todas as vezes em que passo em frente a ela eu volto a ser aquela menina e tenho vontade de chorar por dentro, todos os choros que engoli, em todos esses anos e chorar de alegria por vê-la inteira, baú guardando minhas memórias, em silêncio. Tenho vontade de chorar por dentro, até que as lágrimas caiam, do lado de fora e encham o leito do riacho, que também secou...


 


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