Avaliando as referências dos meus filhos e
ouvindo Mariana falando dos avós, percebi ser uma pretensão
enorme pensar, que os valores que tem estão centrados apenas em mim, em
Marcelo, em nós, como pais. Os meus pais, professores de 40 horas do estado,
morando em Barreiras, a mais de 800 km de Salvador, migraram na década de 70,
com os três filhos pequenos, porque o meu pai havia passado no vestibular de
Direito, da Universidade Católica do Salvador. Um lugar onde o acesso era
apenas para privilegiados, para "os filhos de papai"; os que tiveram
a trajetória traçada desde que principiaram na leitura do alfabeto. Uma
realidade a quilômetros distanciada do cotidiano do meu pai, que não fumava,
mas que levava madrugadas com um cigarro entre os dedos e uma garrafa de café,
para se manter acordado e conseguir estudar.
Fomos morar inicialmente no Vale da Muriçoca e ouvi
de um playboizinho daqui de Ibotirama, filho de um dos coronéis da época, que
estávamos morando em uma favela. Para mim, tudo era novidade: a tv em preto e
branco, da Colorado, onde eu podia assistir ao Sítio do Pica pau amarelo; a
praia; o Parque da Cidade; a atmosfera que mudou repentinamente, com eles
fazendo das tripas coração, orçamento apertado e nos colocando em escola
particular, para que a nossa vida, quem sabe, fosse mais fácil. Depois de um
tempo na Vasco da Gama, nos mudamos para a Federação. O meu pai, saía todos os
dias exatamente as 06h:12m (era o horário que o despertador me acordava),
descia a ladeira que dava para o Vale da Muriçoca e subia a do Engenho Velho,
numa aventura a pé até a Faculdade. Em algumas vezes, víamos a figura minúscula
do meu pai subindo a ladeira, e ele nos dava um tchauzinho ao longe. A tarde se
embrenhava como professor, nas aulas na Escola Polivalente do Nordeste de
Amaralina, até depois das 22h. A minha mãe, dava aulas inicialmente na Escola
Cupertino de Lacerda, na Amaralina e depois, passou a lecionar na Escola Mário
Costa Neto, no Parque São Brás, pela manhã e a tarde. A noite, ficava até as 22
e pouco, na UNEB do Cabula, em sua imersão, na primeira turma do curso de Pedagogia,
pagando caro pelo transporte no carro de uma colega, porque não havia ônibus
até o seu destino. Eu tinha uns cinco anos e meio, o meu irmão, três e a minha
irmã, oito. No cotidiano atropelado, nada nos faltava.
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